Acadêmicos do Sossego renova com os carnavalescos

Gabriel Haddad e Leonardo Bora

Acadêmicos do Sossego renova com os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Com duas propostas de enredo na cabeça, jovens artistas falam sobre a perspectiva da estreia na Série A
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Sossego anunciou a manutenção dos jovens carnavalescos Gabriel Haddad (27) e Leonardo Bora (29), responsáveis pelos dois últimos carnavais da agremiação de Niterói e três vezes campeões nos grupos de acesso do Rio de Janeiro (na comissão de carnaval da Mocidade Unida do Santa Marta, em 2013 e 2014; e no Acadêmicos do Sossego, em 2016, quando apresentaram o enredo “O Circo do Menino Passarinho”, sobre a obra do poeta Manoel de Barros, e conquistaram a cobiçada vaga na Série A). Segundo o vice-presidente, Rafael Marques, não se trata de uma aposta, mas da manutenção de um trabalho que vem dando bons resultados: “Não tem sentido mexer no que vem dando certo. O trabalho dos meninos foi impecável, é a hora deles”, destacou.
A manutenção de um trabalho
Gabriel Haddad, que terá de dividir o trabalho nos ateliês e no barracão do Sossego com os afazeres da Escola de Belas Artes da UFRJ, fala sobre a estreia com a serenidade de um veterano: “Temos plena consciência de que o trabalho será quadruplicado e de que as cobranças serão maiores. Por outro lado, é fato que não estamos chegando agora no carnaval: já temos uma trajetória e nos orgulhamos dela. Será, é claro, uma estreia na Série A, mas também a continuação de um projeto, uma sequência lógica. Infelizmente, o carnaval da Intendente Magalhães não possui a visibilidade devida, por isso somos desconhecidos do grande público. Agora é um outro cenário, mais desafiador”, avaliou.
Com relação ao fato de que a escola terá de abrir a sexta-feira de carnaval, uma posição considerada ingrata, Haddad também demonstra segurança: “é claro que ninguém quer abrir uma noite de desfiles, principalmente a sexta-feira, quando a avenida está fria. Temos que entender isso e tentar reverter o jogo: conquistar o público, que espera um ano inteiro para viver o carnaval da Sapucaí, com uma narrativa interessante, um grande samba, um visual diferenciado. Fazer desse desafio uma coisa positiva, e não um fardo. Temos um pé na realidade e o outro no otimismo, porque sem uma dose de otimismo e gente não faz nada no universo do carnaval”, ressaltou.
Entre o delírio e a homenagem
Leonardo Bora, professor do Departamento de Artes da UFF e pesquisador da obra de Rosa Magalhães, também se diz tranquilo sobre os desafios para 2017. Diferentemente de Haddad, Bora não vinha prestando serviços como assistente de escolas da Série A e do Grupo Especial, o que, segundo ele, apenas aumenta a empolgação: “Já fiz trabalhos como arte-finalizador, em 2012 e 2013. Depois eu parei e me dediquei apenas aos projetos assinados, sem falar nas outras atividades, na vida extra-carnaval. Eu penso que essa exposição menor, que faz de mim alguém menos conhecido nos corredores dos barracões, se converte em um estímulo: quero botar a mão na massa e surpreender”, afirmou.
Quando questionado sobre os possíveis enredos para 2017, o carnavalesco explicou: “Chegou-se a cogitar uma reedição, mas concluímos que é importante fortalecer a ala dos compositores e apresentar algo inédito. Recebemos propostas de patrocínio, sim. Algumas começaram a ser estudadas e se mostraram interessantes, mas as conversas não avançaram. Não podemos depender de promessas ou correr o risco do dirigismo. No momento, trabalhamos com duas possibilidades: um enredo mais delirante, com um certo viés histórico; e uma homenagem. Estamos debatendo as propostas e colocando tudo na balança. Vários nomes foram sugeridos, mas, vingando a homenagem, será uma sugestão nossa e uma construção autoral, uma vontade mais antiga, que estava na gaveta. As duas propostas são autorais, o que revela a confiança que a escola deposita na gente”, destacou.
Críticas
Mas não há o medo de que uma homenagem seja enquadrada no “efeito Maria Bethânia” e automaticamente criticada? Bora é categórico: “Se um enredo for criticado, que o seja por meio de uma análise aprofundada, criativa, preocupada em entender a proposta, o fio condutor, a pertinência, o porquê de tudo. A crítica pela crítica, depreciativa, não nos afeta. Quase todo mundo quer emitir opinião. Dois dos quatro enredos que já assinamos podem ser entendidos como “homenagens” (a Dorival Caymmi, em 2014, e a Manoel de Barros, em 2016), sendo que não foram homenagens convencionais, biográficas. O enredo sobre Caymmi, “Na hora em que o sol se esconde”, em parceria com Rafael Gonçalves e Vitor Saraiva, enfocava apenas uma música e não falava de praia, de Bahia, nada disso. Não dá para colocar tudo no mesmo balaio, é reducionista. Em 2016, tivemos umas seis homenagens na Série A. Há homenagens e homenagens. O problema é fazer uma louvação gratuita, inspirada em exemplos mal-sucedidos e ideologicamente questionáveis. Fosse uma imposição ou alguém sem ligações com o carnaval e a própria identidade da escola, não daria certo”, alegou Leonardo Bora.
Sobre a outra possibilidade de enredo, Gabriel Haddad foi econômico, preservando o mistério: “É algo bem carnavalesco, quase um devaneio, sem perder o fundamento histórico e o cuidado com a pesquisa. Tem a ver com a linha poética, lírica, que a gente apresentou em 2016 e que foi bastante elogiada. Por mais que a gente não goste dessas classificações, dá para dizer que tem um viés erudito. É um enredo à moda antiga, fruto de muita leitura e curiosidade, dias mergulhados na biblioteca e madrugadas quebrando a cabeça. Se rolar, foi. E combina com a identidade da escola, o que é o mais importante”, adiantou.
Identidade
E qual a identidade do Acadêmicos do Sossego? Gabriel Haddad ainda vê na azul e branco de Niterói um estilo plantado por Alexandre Louzada, na década de 1980: “A passagem dele pela escola, no início da carreira, deixou marcas muito profundas. Isso inclusive intensificou a ligação estética do Sossego com a Portela, que também é a escola-madrinha. O Alexandre saiu do Sossego para fazer a Portela. Até hoje ele é visto como a grande referência de carnavalesco”, destacou.
Leonardo Bora complementa: “Isso quer dizer, em resumo, “luxo e esplendor”. Não é o caso de propor algo radicalmente irreverente ou experimental, no Sossego: a escola não se identifica. Sentimos isso na pele, há dois anos, quando fizemos o enredo Banananás, que terminava na feira-livre, era jocoso, “leve”. O enfoque foi elogiado, ganhamos prêmios pela pesquisa e pela parte plástica, mas não deu liga, eu acho que ninguém da escola se identificou com aquilo. Foi um aprendizado importante, porque vínhamos de uma escola muito jovem, a Mocidade Unida do Santa Marta, ligada à São Clemente e às marcas de irreverência e crítica social. Lá, não havia uma cobrança no sentido de “isso não tem a cara da escola”. No Sossego essa cobrança existe o tempo inteiro, é fortíssimo. A escola não se mira nas irreverências da Mocidade, da Ilha, da Caprichosos, mas admira os grandes carnavais da Portela e a pompa da Beija-Flor. Ficou a lição: é parte do nosso trabalho de carnavalesco negociar com essa tensão e entender que respeitar a identidade da escola é parte do sucesso. E não se trata de ser ou não ser o nosso “estilo”: temos de ser artistas versáteis, com capacidade de negociação e adaptação. Sem perder a assinatura e a ternura, evidentemente”, finalizou.
O Acadêmicos do Sossego será a primeira escola a se apresentar no dia 24 de fevereiro de 2017, sexta-feira de carnaval, abrindo os desfiles da Série A.
Adriana Vieira
Assessora de Imprensa
G. R. E. S. Acadêmicos do Sossego

 

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