Do fim das charretes ao sonho de cantar

 

Ex-charreteira vai trabalhar pela primeira vez de carteira assinada. Nas horas vagas, ela canta e toca teclado

 

O fim de uma tradição no município de Queimados – o transporte por charretes – representa um recomeço para a dona Delzi Paixão. Aos 57 anos, ela decidiu “aposentar” a charrete que utilizava de domingo a domingo no transporte dos moradores do bairro Nova para assinar sua carteira de trabalho no serviço de conservação pública da prefeitura. Outros 40 charreteiros terão que parar de prestar o serviço de transporte de passageiros por tração animal, a partir do próximo dia 15, atendendo a determinação da Lei Estadual n° 7.194/16, que proíbe o uso de animais de tração para transporte de materiais, cargas ou pessoas em charretes e carroças no Estado do Rio.

 

Trabalhar por mais de oito horas por dia, sair cedo de casa e gastar quase uma hora até chegar ao local de trabalho, no bairro Nova Cidade, era a rotina de Delzi, que desde a última segunda-feira iniciou sua nova jornada diária no serviço de varrição de ruas. Após largar a antiga profissão, ela diz que não se arrependeu da decisão: “Do que ganhava no final do mês, sobrava muito pouco. Tinha que comprar ração para os cavalos, além de comida para casa. Num bom mês tirava uns  R$ 1 mil, mas nem sempre era assim. Agora comecei a trabalhar de carteira assinada. Isso dá uma segurança, porque terei benefícios como direito a aposentadoria. É a realização de um sonho”.

 

Mas quem acha que a ex-charreteira parou de realizar seus sonhos está enganado. Casar, ser mãe, educar os filhos e trabalhar de carteira assinada eram apenas alguns dos que ela já conseguiu concretizar, mas falta o maior deles: ser cantora e compositora. A mulher do sorriso largo, mesmo com todas as dificuldades e com o rosto queimado de quem trabalha sob o sol forte, revela uma doçura ímpar quando fala em música, sua grande paixão.  A grande oportunidade que surgiu na vida foi quando recebeu cerca de R$ 5 mil em espécie fruto de uma herança. O investimento foi todo aplicado na música na compra de um teclado e em aulas de canto.

 

“Fico sem graça de falar sobre isso. Desde criança sempre gostei de cantar e ensaiava minhas apresentações debaixo do chuveiro. Até fiz um curso de canto, mas não tive condições de pagar depois do quarto mês. Comprei um instrumento há uns dois anos para aprender tocar sozinha nos tempos vagos. Na verdade queria ser cantora, mas a vida me levou por outro caminho. Também componho. Este é o meu grande sonho”, disse.

 

Charreteiros ainda podem se cadastrar

 

Os charreteiros que desejam trabalhar de carteira assinada ainda podem se cadastrar na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social (Rua Eugênio Castanheiras, nº 176 – Centro). Basta levar os documentos de identificação. “Todos os interessados terão uma oportunidade de emprego nas áreas de conservação pública e limpeza urbana da própria Prefeitura. É só se cadastrar que já assinaremos a carteira. É uma chance que estamos proporcionando para essas pessoas mudarem suas vidas para melhor”, destaca o prefeito Max Lemos.

 

Um plano de ação foi elaborado pelos órgãos do governo em parceria com a Polícia Militar e será executado a partir do próximo dia 15. De acordo com o secretário de Transporte, Segurança e Trânsito, Elias José, quem insistir em fazer o transporte por tração animal terá a charrete recolhida para um depósito público e os animais serão encaminhados para um curral particular legalizado. Segundo ele, para a retirada das charretes, os proprietários terão que pagar multas.

 

“Acredito que nada disso será preciso, pois demos ciência a eles da legislação publicada pelo estado e que teremos que cumprir. O prazo de mais de um mês para adequação foi justamente para que eles não saíssem prejudicados. Fiz questão de ir até o ponto das charretes para informar sobre a lei e o fim do serviço de charretes”, finalizou.

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