Império da Tijuca: Sinopse e Logomarca do Enredo

sinopse do enredo “O Mundo em Carnaval – Um Olhar sobre a Cultura dos Povos” (assinada pelo carnavalesco Severo Luzardo e pelo pesquisador Julio Cesar Farias), tema que a Império da Tijuca apresentará na Marquês de Sapucaí em 2011.
 
O texto é extremamente didático e possibilita aos leitores vislumbrar o desfile da Verde-e-Branca da Formiga, setor a setor, começando pela relação entre a folia momesca e a quaresma, passando pelo mítico País da Cocanha, onde, diziam, era sempre Carnaval. Já no 2º setor entrarão em cena os carnavais de inverno e, em seguida, no 3º setor, os “calientes”. Através do 4º setor o público se interará de festas com predomínio da influência afro e, finalmente, conhecerá ainda mais sobre as formas adotadas pela folia em nosso país.   
 
Aproveitamos para enviar-lhe também a logomarca do enredo, esta criada por Marcus Ferreira, atualmente carnavalesco da co-irmã Unidos de Padre Miguel.

O MUNDO EM CARNAVAL – UM OLHAR SOBRE A CULTURA DOS POVOS

JUSTIFICATIVA 

    Era uma vez o desejo de criar roupas diferentes. Fantasias. Fantasias únicas, cheias de histórias, encharcadas de sorrisos e abraços. Fantasias que trouxessem notícias de todo o mundo e de sua gente. Fantasias que representassem atos e datas. Que mostrassem motivações religiosas ou apenas contassem fatos históricos que tenham marcado a vida e a memória do povo.

    De todas as manifestações culturais existentes pelo mundo, o Carnaval é, certamente, o evento que se realiza em quase todos os cantos do planeta com maior divulgação e participação popular. Festividade singular e multifacetada onde esses trajes ganham vida, impregnados da cultura de quem faz, participa, assiste e se diverte.

      Não apenas pelas características da festa, dentre as quais a alegria e a beleza são as mais constantes, que o Carnaval faz parte dos calendários de tantos, tão diferenciados e mais distantes povos. Também é, porque funciona como uma necessária “válvula de escape” da vida cotidiana, em que as pessoas procuram esquecer, nesses poucos dias, a dura realidade para entrar num mundo de sonho e fantasia, onde as brincadeiras, as danças, os cortejos e diversas outras manifestações momescas são permitidas e apreciadas, sendo, então, a ordem reinante.

    Era uma vez o desejo de construir uma história em permanente transformação, embalada por muita folia e festança. Uma história que carregasse a alegria de brincar dos festejos populares e a riqueza cultural de muitos povos.

    Muitas surpresas e expressividades autênticas apareceram ao longo dessa busca. Muitas roupas, fantasias, muitas músicas, muitas danças…

      Percebemos, ao longo desse caminho, que a valorização da cultura e da identidade de cada povo é o fator predominante que torna possível a reunião de modos tão diversificados de comemoração e de realização do Carnaval. Podemos, portanto, afirmar que, através deste festejo mundial, as sociedades conseguem mostrar a sua cara, a sua essência, os seus traços culturais, históricos, sociais e, sobretudo, artísticos.

      Ao olhar o caminho trilhado pelos diferentes carnavais, notamos o cuidado de mãos curiosas ao confeccionar cada peça, cada detalhe, cada modelagem, cada fantasia. Notamos também a existência de intensa pesquisa que permeia o processo de criação de gestos e ritmos, de forma personalíssima e encantadora.

    O giro maravilhoso, alegre e envolvente de nossa coroa imperial dará o tom deste carnaval numa viagem pelas manifestações artísticas carnavalescas, mostrando que no mundo todo tem Carnaval e o Carnaval do mundo todo estará representado alegoricamente neste nosso carnaval, reverenciando a diversidade da cultura dos povos com a qual a Império da Tijuca se vestirá em 2011 para encantar a Sapucaí.  

1º  SETOR

“o combate ENTRE O CARNAVAL E A QUARESMA”

      De forma bastante rudimentar, na Idade Média europeia, as pessoas já se divertiam pelas ruas no período carnavalesco, incentivadas a partir da instituição indireta do Carnaval pela Igreja Católica, a qual determinou à população a proibição dos prazeres mundanos durante quarenta dias, a quaresma, em referência aos dias de penitência de Cristo no deserto, para dedicarem-se somente à reflexão espiritual.

    Antes de iniciar essa difícil abstinência aos deleites proporcionados ao corpo, o povo começou a realizar festas em que imperavam a comilança, a bebedeira, as cantorias e outros divertimentos considerados pecaminosos. Mãos em movimento, partilhando, dividindo e criando coletivamente o brincar carnavalesco.

      Os jovens, reunidos, formavam as Sociedades Alegres, saindo às ruas para festejar o Carnaval medieval com espirituosas brincadeiras, conhecidas como Charivaris. Uma dessas brincadeiras satíricas tinha como alvo de zombaria os casais com características díspares gritantes e as tristonhas viúvas.

    Alegria do povo em desconstruir e transgredir a realidade social. Folia de brincar em uma imensidão de descobertas, desfiando e tecendo sonhos e desejos secretos e coletivos para serem partilhados publicamente.

      Um dos mitos mais conhecidos desse período histórico está na crença da existência de um lugar de excessos onde era sempre Carnaval, o País da Cocanha, terra imaginária na qual seus habitantes tinham fartura de comida e bebida além da tão desejada eterna juventude.

    Até  hoje esse imaginário de desregramento e abundância dos prazeres está presente nas celebrações carnavalescas de diversas cidades no mundo inteiro. Este lugar fantasioso e a imagem alegórica do Combate da Dona Quaresma contra o Senhor Carnaval, que mostram bem o imaginário carnavalesco medieval, foram registrados, para nossa sorte, na célebre pintura de Pieter Bruegel.

      A ideia de aproveitar a vida no período carnavalesco era tanta que a nobreza, para poder participar dos festejos, passou a se disfarçar usando máscaras para se misturar ao povo, num ambiente que afaga, instiga e convida ao aguçamento dos sentidos, da convivência pacífica e de permissão à alegria de viver.

    Desde então, a cidade de Veneza, na Itália, ganhou fama e tornou-se um dos carnavais mais procurados por turistas, que ficam fascinados com a tradição e o romantismo peculiar do local, com foliões usando trajes de séculos passados, adornados por lindíssimas e variadas máscaras confeccionadas por artistas vienenses.

    Com o propósito de organizar uma diversão diferente, composta por carroças enfeitadas de flores transitando pela rua principal e por passeatas de cidadãos mascarados, foi criado no século dezoito por burgueses locais, o também famoso e emblemático Carnaval da cidade Viareggio. Com o tempo, os carros alegóricos articulados, feitos de papel-machê retratando caricaturalmente políticos e outras personalidades, foram ganhando espaço e hoje são apreciados como obra de arte carnavalesca da cultura italiana.

     Assim, o convívio prazeroso próprio do Carnaval imprime, em qualquer época, ao acervo de fantasiados e de alegorias um caráter único que o faz pertencer a muitos e a cada um, sem perder o caráter artístico que traduz a cultura de cada povo. 
 
 

2º  SETOR

CARNAVAIS DE INVERNO

    Também remontam de tradições seculares, carnavais de algumas cidades de clima frio. Nesses lugares, a roupa que antes somente protegia e aquecia a pele dos habitantes passa a ter a função, nesses dias, de inserir os indivíduos no contexto do divertimento coletivo, já que o frio contribui para o uso de fantasias, numa espécie de conexão social ritualizada.

      Na Alemanha, acontece um dos carnavais mais antigos do mundo, na cidade de Colônia, fundada pelos romanos e situada às margens do rio Reno. A festa carnavalesca, que começa tradicionalmente às onze horas e onze minutos, é regada a muita cerveja e música e conta com milhares de foliões fantasiados de todas as idades. Durante os cortejos, costumam ser atirados ao público, que carrega sacolas para guardar os presentes ofertados, muitos doces, flores e quinquilharias para todos os gostos. Além dos bailes à fantasia, um dia é reservado às brincadeiras das mulheres, que cortam as gravatas de seus maridos e colegas de trabalho, marcando a simbólica tomada do poder feminino.

      Várias cidades pelo mundo conseguem mobilizar seus moradores para a construção da festa carnavalesca. Em Binche, um pequeno vilarejo da Bélgica, o Carnaval se instala por sete semanas, por causa dos eventos relacionados que antecedem os dias principais da folia. Com uma tradição do século quatorze, o divertimento dos habitantes está em apresentações musicais e danças típicas e, como ponto alto, a marcha dos palhaços Gilles pelas ruas da cidade, vestidos com roupas de cores vibrantes, usando máscaras de cera, tamancos, e carregando cestas de laranjas que são atiradas no público que os assiste.

      Nessas regiões, os moradores têm o hábito de preservar suas tradições culturais, porque elas guardam sua memória, sendo também formadoras de suas identidades. Em Basileia, na Suíça, as pessoas saem às ruas estreitas durante o dia e em altas horas da noite para festejar o feriado, com bandas animando os foliões fantasiados, usando máscaras com caricaturas engraçadas, formando um belo cortejo. É comum ainda alguns grupos saírem cantando e representando pelos bares, enquanto outros brincam fazendo barulho desordenado. Nesses dias festivos, o inverno rigoroso suíço é substituído pelo calor dos brincantes que tomam a cidade com sua infinita empolgação.

      Por falar em tradição, transformar gelo e neve em motivo de diversão e de congraçamento entre as pessoas é característica marcante de povos que vivem em regiões glaciais. Para comemorar o Carnaval, desde o século dezenove, a cidade de Quebec, no Canadá, realiza, durante dezessete dias, atividades desportivas e artísticas, como corrida de canoa e de trenós, exposições, shows, desfiles e concurso de esculturas. Dentre tantas atrações, neste festival, destacam-se um palácio de gelo iluminado e um gigantesco boneco de neve, construídos anualmente para encantar turistas e crianças do mundo inteiro.

      Na Riviera francesa acontece um dos carnavais de inverno mais antigos e animados, com desfiles diários, batalhas de flores e de confetes, concertos e apresentações teatrais de rua. Em Nice, por três semanas, o folião se esbalda na arte de brincar o Carnaval, participando de uma série de atividades divertidas, apreciando desfiles de carros alegóricos decorados com flores perfumadas e lindas mulheres, personagens usando trajes extravagantes, marionetes, palhaços, trupes de samba e show pirotécnico que ilumina a mágica cidade banhada pelo mediterrâneo. 

3º  SETOR                                       

CARNAVAIS CALIENTES

      Colonizado pelos europeus, o continente americano contém marcas da tradição de povos nativos ancestrais e de elementos que foram sendo incorporados pelos povos que hoje habitam estas regiões.

      Muitos países latino-americanos fazem do período carnavalesco uma ocasião para mostrar e revitalizar sua cultura, cuja ênfase está no uso de coloração intensa, com apresentações de grupos folclóricos, bandas de música, trupes mambembes, concursos, bailes, danças típicas e desfiles de cortes que podem acontecer simultaneamente em várias partes do país, com muitas outras atrações diversas.

    A predominância do colorido e de desfiles totêmicos, feitos com o uso de flores e frutas e esculturas de animais diversificados como adorno das peças mostradas nos desfiles é bastante realçada nos carnavais latinos. Em Guaranda e Ambato, no Equador, acontecem festivais de flores e frutas e aparece também a figura demoníaca em forma de fantasias.

    Já  na República Dominicana, a população se diverte, nesses dias, fantasiada de diabo coxo, correndo pelas ruas para assustar as pessoas com chicotes e açoites de bexigas, usando capas e ricas máscaras em forma de animais ou rostos deformados. Outra variante de brincadeira carnavalesca dominicana é o Roubo da galinha, que consiste em um personagem caricato fantasiado, com seios e traseiro abundantes, que passa pelas ruas pedindo doces ou dinheiro aos comerciantes locais para seus filhotes, que são os jovens que seguem a procissão cantando quadras repetidas.

    Durante os meses de Janeiro e Fevereiro, a cidade de Gualeguaychú, na vizinha Argentina, se veste de festa para brindar um dos espetáculos mais esperados da região: o carnaval. Capaz de congregar milhares de entusiastas que desfrutam do brilho, da alegria, da emoção e do ritmo das comparsas que desfilam no corso local. Durante o percurso, os foliões experimentam e sentem o verdadeiro sentido desta majestosa festa, liberando-se das ataduras sociais e culturais que organizam a sociedade contemporânea. A cultura indígena é acentuada nessas manifestações populares e alguns grupos carnavalescos possuem nomes de antigas tribos de índios.

    O destaque do Carnaval do Uruguai está na apresentação de grupos teatrais centenários chamados de murgas. Em geral, as murgas são compostas tradicionalmente por homens que se vestem com roupas inspiradas na commedia dell’arte, como o Pierrô, a Colombina e o Arlequim. Pintam o rosto com maquiagem circense que nos remete ao teatro de rua medieval e saem às ruas em coro tocando instrumentos de percussão. A temática do espetáculo cênico das murgas, que dura quarenta e cinco dias, está centrada na sátira política e nos fatos passados ou recentes da história uruguaia.

    No México, muitas cidades possuem festas de Carnaval, de variados formatos, mas os maiores eventos acontecem nas cidades portuárias. Em Vera Cruz, as comemorações desta data são marcadas por queimas de fogos para espantar o mau humor, por exuberantes cortejos multicoloridos de carros alegóricos, música de base folclórica e muita tequila. Outra forma particular de brincadeira mexicana nesses dias é as pessoas jogarem e quebrarem cascarones (um ovo cheio de confetes, uns nos outros.

    A figura do diabo é muito forte nos festejos carnavalescos da Bolívia. O caráter religioso do Carnaval, com a presença da luta do bem contra o mal, sincretizados respectivamente nas figuras da Virgem Maria e do demônio, é bastante comum nos países de colonização europeia devido à propagação forçada da fé cristã por parte dos colonizadores. Na cidade de Oruro, o destaque está na cerimônia com aspectos de religiosidade, a Diablada, na qual os brincantes se fantasiam de seres do inferno para celebrar a Virgen do Socavón. O Carnaval de Oruro é o maior evento cultural periódico da Bolívia e foi declarado Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade em 2001 pela UNESCO. Nesses dias, ocorre um préstito com dezenas de grupos de mascarados endiablados, que se fantasiam de satanás, incas e conquistadores espanhóis. Outra característica curiosa e marcante da celebração carnavalesca boliviana são as Morenadas ou Dança dos Morenos. É uma dança do altiplano andino onde os bailarinos se disfarçam como negros mascarados com rasgos exagerados.

    Nos países latinos, as roupas confeccionadas para brincar o Carnaval adquirem cores fortes e formatos exóticos, reflexo dos costumes e das manifestações folclóricas locais, nos quais naturalmente elas se baseiam, refletindo ainda o clima quente predominante dessas terras. 

4º  SETOR

CARNAVAIS CRIOULOS

      As raízes culturais do continente africano foram espalhadas pelo mundo quando o branco invasor levou os negros à força de sua terra natal – e com eles, a sua arte e seus costumes – para servir de mão de obra escrava nas terras conquistadas, repletas de riquezas a serem exploradas. Mas, para alguns povos africanos, foi preciso resistir ao aniquilamento cultural em sua própria casa, principalmente através de suas referências religiosas e musicais ancestrais.

    Uma região cuja influência cultural dos negros se manifesta nos festejos carnavalescos é a cidade norte-americana de Nova Orleans. Conhecido como Mardi Grass, terça-feira gorda em francês, é o maior carnaval dos EUA e surgiu quando negociantes fundaram o clube “The Mystick Krewe of Comus”, em 1857 e fizeram um desfile com monumentais carros alegóricos, tendo à frente negros com archotes. A mistura da herança africana com outras sociedades escravistas do Novo Mundo firmou suas próprias características e denominou-se de “tradição afro-creole”. A simulação carnavalesca mais peculiar desta tradição é o ritual denominado Kwore Duga, em que foliões mascarados montados em cavalos de pau encenam danças cômicas e lascivas. Nas festas realizadas nos bairros em que predominam moradores negros, comandadas pela associação Rei Zulu, há uma mistura de ritmos, como o jazz e o blues, e os integrantes se vestem ricamente como índios.

    O Carnaval de Angola nasceu e se desenvolveu com muita luta contra a repressão do poder público, o qual, como ocorreu no Brasil, com o tempo e por interesses políticos e econômicos, passou a organizar e controlar os festejos carnavalescos. Hoje os angolanos, adaptados à modernidade, conseguem preservar suas raízes, exibindo-se pelas ruas com muito semba e kuduro no pé. Desfilam grupos fantasiados com pequenas alegorias, espécies de blocos com danças coreografadas ao som de apitos e da cantoria em coro dos participantes. Conjuntos musicais também se apresentam num ritual de recreação, usando trajes típicos de sua história, como roupas usadas por guerreiros de antigas tribos. 

    As tradições trazidas por imigrantes africanos também são bastante acentuadas em pequenas ilhas como Trinidad e Tobago. No período carnavalesco, o ritmo executado é o calypso, um estilo musical afro-caribenho, criado por escravos no século dezenove. Diversas bandas, nas quais sobressaem os tambores e as claves, com seus reis e rainhas, concorrem em competições musicais desfilando pelas ruas, com a participação maciça da população e dos visitantes, que costumam usar fantasias decoradas com penas e lantejoulas.

    Também na ilha de Tenerife, a música afro-caribenha executada por bandas embala a multidão foliã fantasiada que invade as ruas para se divertir com a malemolência do ritmo. Em Tenerife existem outras formas de se brincar, como a cavalgada, trazendo a Corte do Carnaval anunciando o início dos festejos, concurso de automóveis antigos e, na terça-feira gorda, o curioso enterro da sardinha, que ocorre também na Espanha.

    Uma grande confraternização das raças ocorre ainda nos festejos momescos da Colômbia. A música e a dança resgatam a cultura mestiça do país e os negros colombianos mostram a força das tradições trazidas por seus ancestrais escravos, vestindo roupas, adereços e artesanatos carnavalescos de cores de tons intensos. Em Barranquilla, desfilam pessoas com trajes exóticos, carros alegóricos e grupos folclóricos dançam ao som de salsa e rumba. Em Pasto, acontece o notável Carnaval de Negros e Brancos, com grande participação popular. Formado por expressões culturais camponesas, no passar do tempo foram se agregando elementos das festividades espanholas e africanas, como os cosméticos, o talco e as carruagens contendo gigantescas esculturas construídas por artesãos locais.

    As celebrações carnavalescas com características marcantes da raça negra estão espalhadas pelo mundo todo. Elas são o retrato da resistência de um povo que, por meio de suas simbólicas vestimentas, músicas e danças características, revivem, ritualisticamente, os aspectos culturais de seus antepassados.  

5º  SETOR 

CARNAVAIS DO BRASIL 

    O Brasil é conhecido por ser um país mestiço, cuja miscigenação inicialmente deu-se a partir da relação entre os colonizadores e o indígena nativo. Os negros africanos escravizados que vieram depois também fazem parte das primeiras etnias que iniciaram a mistura do nosso povo, trazendo na bagagem um ritmo sincopado, utilizado principalmente nos seus rituais religiosos, que deu origem ao samba. A cultura dos cultos e dos folguedos afro-brasileiros se espalhou por todas as regiões, adaptando-se às características de cada localidade. Sem contar com as influências das tradições trazidas pelos diversos imigrantes que para aqui também vieram.

    Um ritmo e dança nordestinos bastante apreciados nos dias de Carnaval é o frevo, com música de compasso acelerado e passos rápidos e acrobáticos. Os dançarinos apresentam-se com roupas leves utilizando sombrinhas coloridas, o que imprime mais graça na execução coreográfica ligeira da dança. Hoje o Carnaval de Olinda é uma das maiores e autêntica festa popular do Brasil, atraindo todo ano milhares de foliões de vários recantos do país e do Exterior. A interação com a rica diversidade cultural do Nordeste, representada por troças, clubes, caboclinhos, maracatus e bonecos gigantes, aliada ao calor do frevo e à descontração e alegria do povo da cidade, tornam a folia olindense irresistível para um contingente cada vez maior de foliões. 

    Há  também uma gama de manifestações carnavalescas regionais. Oriundo da zona da mata norte de Pernambuco, o Maracatu de baque solto surgiu no final do século XIX, e representa uma mistura de dança e teatro com alguns traços da cultura indígena, que traduz a saga de homens e mulheres que trabalham nos canaviais. Em Nazaré da Mata, atualmente existem 20 grupos de maracatus com seus caboclos de lança, figuras exóticas que usam chapéus de fitas coloridas, se vestem com roupas bordadas artesanalmente, com chocalhos, o rosto pintado de urucum, óculos escuros, cravo branco na boca, carregando uma lança comprida. Eles se apresentam caminhando nos três dias de Carnaval no Maracatu de Orquestra, pelo interior de algumas cidades nordestinas.

    Um dos mais tradicionais personagens do carnaval de rua mantém viva a cultura popular nesta época do ano. São os Clóvis, ou bate-bolas, foliões que saem fantasiados em grupos e adoram assustar a criançada. Atenção, vizinhança! Os Clóvis estão na rua! Há décadas estes personagens mascarados e multicoloridos brincam o carnaval nas ruas da periferia do Rio. No século XIX, o Clóvis era interpretado por pessoas que se vestiam com macacões coloridos e usavam máscaras. Além de assustar crianças e até adultos, o bloco de Clóvis resiste, principalmente nos subúrbios, como digno representante do carnaval de rua carioca. Como qualquer festa carnavalesca, a dos Clóvis é uma celebração da liberdade, da alegria. As roupas e adereços são os instrumentos dessa competição. Nos momentos que antecedem a saída à rua, os integrantes de todas as turmas gritam que têm a roupa “mais bonita! a mais bonita!”.

    Essa multiplicidade racial e o tamanho continental do país fizeram com que o Carnaval brasileiro ganhasse uma variedade de formas. A mais comum, existente em quase todos os estados com o termo genérico de Carnaval de Rua, são os blocos e os cordões, formados essencialmente por um conjunto de percussão e uma porta-estandarte carregando o símbolo e o nome do grupo. Os blocos e cordões, em geral, executam as tradicionais marchinhas e costumam arrastar uma animada multidão, fantasiada ou não, por onde passam.

    Outro simpático grupo de mascarados típicos são os Papangus, que desfilam pelas ruas da cidade agreste pernambucana de Bezerros, em blocos animados por orquestras de frevo. Fantasiam-se com longas e estampadas túnicas e escondem o rosto todo com máscaras de papel-machê. A brincadeira está em o folião se manter no anonimato, para se divertir à vontade sem ser identificado, por isso procuram confeccionar suas roupas em sigilo para não serem desmascarados antes da festa. Os brincantes costumam comer angu, geralmente oferecido pelos moradores locais, durante visitas dos grupos que caem na folia. O Carnaval de Bezerros, intitulado “Folia do Papangu”, revela toda a cor, criatividade, beleza e magia de uma festa que tem o poder de reunir num só lugar raças e crenças diversas.

    Com efeito, o Carnaval mais famoso do Brasil é o do Rio de Janeiro, marcado pelos desfiles das escolas de samba, agremiações carnavalescas que constituem o berço do samba. Os grandiosos desfiles, compostos por grandes alegorias e figurantes fantasiados a partir de um enredo, são bastante apreciados e transmitidos para o mundo todo.

    Embora o Carnaval seja multifacetado e complexo, em qualquer manifestação carnavalesca, a fantasia celebra o prazer de sermos outros num período determinado, numa deliciosa desconstrução social democratizante, onde todos podem ser o que quiserem, assumindo ou trocando de papel. É uma festa popular agregadora, de adesão, em que todos são protagonistas e todas as classes participam em comunhão numa torrente de alegria, formando agrupamentos humanos em busca de prazer e diversão.

    Os festejos carnavalescos sofrem mutações e se ramificam, adaptando-se à cultura e às tradições de cada povo. Nesses dias, o ridículo é permitido e o sorriso, obrigatório. A comicidade, o bom humor e a ironia são preponderantes. O Carnaval é um meio de expressão, no qual a louvação a deuses pagãos é possível e o povo mostra sua face, suas origens, formando um caldeirão cultural de criatividade, num impressionante caos organizado.

    No Carnaval, soltamos o grito preso na garganta, tecemos fios de histórias, trançamos idiomas, costuramos memórias e construímos fantasias impregnadas de poesias e saberes populares. Danças, festejos, roupas e sorrisos conduzem esse olhar sobre a cultura dos povos, onde sentimos o Mundo em Carnaval com o coração, alcançando os quatro cantos ao sabor dos quatro ventos. 

    Severo Luzardo Filho

    Julio Cesar Farias 
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 

ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2002.

ARAÚJO, Sivonaldo. Máscaras de Bezerros. Recife: Grafica Fac Form, 2007.

CABRAL, Sergio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1996.

COSTA, Haroldo. O Rio negro no Carnaval. Artigo publicado em Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares – Estudos de Carnaval, Vol.6, pág. 197, Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Artes, 2009.

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1979.

FARIAS, Julio Cesar. O Enredo de Escola de Samba. Rio de Janeiro: Litteris Editora, 2002.

FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

GÓES, Fred. Antes do Furacão: o Mardi Gras de um folião brasileiro em Nova Orleans.

MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura Afro-Brasileira: Mãe África. São Paulo: Contexto, 2007.

PEREIRA, Aline Valadão Vieira Gualda. Os bate-bolas do Carnaval contemporâneo do Rio de Janeiro. Artigo publicado em Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares – Estudos de Carnaval, Vol.6, pág. 115, Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Artes, 2009.

PIMENTEL, João. Blocos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

PRESTES FILHO, Luiz Carlos. Por debaixo da Máscara de Montevidéu. Rio de Janeiro: 2010.

VASCONCELOS, Carlos. Identidade Oculta. Pernambuco: Gráfica Santa Marta, 2009. 

Obs.: Também foram consultados sites e consulados dos países e lugares citados no enredo.                                                                   

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